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Antes de "Boa Noite PunPun" arrancar lágrimas e desconforto de seus leitores, Inio Asano apresentava Solanin, mangá que, diferente de seu sucessor, apresenta uma narrativa menos fatalista e absurda, mas ainda carregada de dramas relacionaveis, perdas repentinas e, por que não, sonhos e música.
A obra acompanha a morna rotina do casal de jovens Meiko e Taneda. Dividindo um apartamento nos arredores da grande metrópole de Tokio, a dupla vive seus dias em uma normalidade quase sufocante até que um dia a garota decide seguir seus impulsos e abandona seu emprego em um escritório para ir em busca de seu desejo por liberdade.
O contraste entre os dois é o que movimenta a primeira metade da história. Enquanto Meiko vive seus dias em um constante marasmo apenas para manter financeiramente a residência do casal, Taneda ganha a vida como freelancer e, no pouco tempo livre que tem, se reúne com a velha banda que montou durante os anos na faculdade.
Tentados a ouvir os gritos inquietos de seus corações, o casal se vê dividido entre perseguir seus sonhos juvenis ou ceder diante da cruel e quase intransponível realidade da vida adulta. Tudo muda na segunda metade da história, quando a vida demonstra que de uma hora para outra, tudo pode desabar e só o que nos resta é continuar seguindo em frente.
Com protagonistas "reais", e um elenco de apoio que nada deixa a desejar, Solanin comunica dores particulares do início da vida adulta, como o peso das expectativas não cumpridas e a impotência perante uma sociedade tradicional, mas também busca exaltar o poder transformador da arte, como a música, além do valor das relações que construímos ao longo da vida.
O mangá de Solanin foi publicado originalmente na na revista semanal Young Sunday entre 2005 e 2006 e é distribuído oficialmente no Brasil pela Editora L&PM e é uma excelente porta de entrada para as obras do autor.
Sinopse oficial da editora:
"Meiko e Taneda são um casal de jovens que divide um apartamento em Tóquio. Ela trabalha como secretária em um escritório, e ele faz bicos num escritório de design. Sem objetivos muito bem definidos e em meio ao dia a dia na megalópole, buscam seu espaço em um mundo que exige cada vez mais de cada um deles. Enfrentam, da melhor forma possível, os dilemas do início da vida adulta.Precisamos mudar para dar conta dos novos desafios? E mudar completamente – ou é possível manter acesos os sonhos da juventude, de música e liberdade?"
Antes de partir para spoilers e comentários mais particulares, vale ressaltar que a obra foi adaptado em filme em 2010 sendo essa mais uma oportunidade para conhecer a história, mesmo que não esteja disponível de forma oficial. Outro ponto a destacar, é que a música que leva o título do mangá foi interpretada pela banda Asian Kung-fu Generation, conhecida por aberturas de animes como Naruto e Fullmetal Alchemist.
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Imagem de Divulgação |
Ouça a música Solanin:
Daqui em diante o texto irá abordar spoilers, então recomendo a leitura da obra caso queira uma experiencia completa.
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Entre um acorde desafinado e outro, a música continua:
Meu primeiro contato com Solanin foi também meu primeiro contato com as obas de Asano, numa tentativa de começar com algo mais leve que o tão comentado PunPun, pelo menos na superfície. Aos 18 anos, enquanto folheava as páginas do mangá no caminho para o trabalho, me lembro da sensação de estar mergulhando em um universo que, embora fosse diferente do meu, por se tratar de um outro país e de personagens em contextos diferentes, visto que havia acabado de entrar na faculdade, ainda existia um ar de familiaridade em meio a tantos pensamentos introspectivos. Hoje, enquanto termino o curso que escolhi, sinto que as temáticas da história ressoam de uma forma ainda mais pessoal.
De forma geral, a vida é composta por uma série de concessões, cedemos o tempo todo e abrimos mão de sonhos e objetivos em prol de se enquadrar em um sistema social que existe desde antes de nós. O começo da maioridade é o momento de encarar o abismo que separa a realidade da infância e, muitas vezes, metas grandiosas, como viver de música, caem no fundo desse buraco e do outro lado parece restar apenas o morno e comum cotidiano.
"[...] Mas ainda sou jovem, por isso tenho um monte de objeções em relação à sociedade dos adultos em geral. Não sei o que fazer com isso, e vou acumulando o veneno dentro de mim."
Meiko, capítulo 1
É nessas horas que a revolta grita e a inconformidade diante disso tudo é sufocada por normas pré estabelecidas (faculdade, emprego, relacionamento) que parecem limitantes demais para quem sempre teve horizontes tão grandes. Aos poucos coisas pequenas passam a incomodar e mesmo as cidades mais cheias paracem solitárias.
Apesar disso, enxergo em Solanin uma mensagem muito menos negativa do que se espera de uma história em que um de seus protagonistas morre na metade. Mesmo com o falecimento prematuro de Taneda, que o mangá se dá o trabalho de nos fazer sentir, o sentimento de continuidade complementa o de luto. A escolha de Meiko de manter seu amor vivo por meio da música dita perfeitamente o ponto central da trama.
Quando as dúvidas emergem e o abismo parece maior, a saída é mergulhar de cabeça em si mesmo, sentir o que enterramos e procurar novas respostas, pois as anteriores já não satisfazem os novos questionamentos. Em meio a tanto "e se?" que se apresentam, é preciso se manter firme e encarar a realidade, não com derrotismo, mas se perguntando o que fazer daqui para frente.
"[...] E se um tivesse concordado em terminar? E se eu não tivesse dito nada naquela hora? E se eu não tivesse largado o emprego? E se, para começo de conversa, a gente não tivesse ficado junto? Tantos "e se" abarrotando nesse apartamento vazio que chega a sufocar."
Meiko, capítulo 17
É aqui que brilha o elenco de apoio, assim como o grupo de amigos do casal é responsável por dar suporte a jovem depois de uma perda repentina, as pessoas que nos cercam são fundamentais para o enfrentamento de situações difíceis. Embora inevitável as vezes, nem sempre temos que passar por tudo sozinhos, lembrando que, antes de tudo somos, somos seres coletivos.
Por fim, quero ressaltar o papel que a arte, em especifico a música, desempenha na narrativa. Uma banda de faculdade uniu um grupo de amigos e foi por meio dela que Meiko decidiu preservar a memória de quem ela amou.
Solanin, como definido no mangá, é uma música de despedida, sobre deixar um antigo "eu" para trás e começar a seguir um novo caminho para ser quem deseja de verdade. Por mais que seja impossível lagar tudo de uma hora agora outra (sejamos realistas aqui), não é preciso abdicar do que se ama em prol do mínimo necessário para sobreviver.
"[...] Será que eu queria mesmo ser músico? Vai ver o meu barato era só ter uma banda... Entende? Com todo mundo junto, com você do meu lado. De repente, é só isso que importa."
Taneda, capítulo 14
Tudo bem não ter sucesso no início ou não conseguir toda a renda das nossas paixões, não é fácil, mas quando menos se espera as coisas se encaminham e a "falha" só é uma certeza quando não existe tentativa.
Sucesso é relativo, nem sempre será sobre alcançar centenas em um estádio lotado, mas sobre se entregar de verdade nos acordes da canção. Por mais que o processo seja solitário, assim como esse texto só ganha novos significados quando lido e a música se torna viva quando ouvida, nossas aspirações só ganham forma quando compartilhadas, nem que seja por um seleto grupo de confiança.
Quando as notas que vida toca se tornam monótonas, a única escolha que nos resta é aceitar o ritmo ou subir no palco e tomar conta do show, mesmo que erre algumas notas.
"[...] Por causa do som do meu coração batendo, mal consegui ouvir o retorno. Minha voz deu umas falhadas e meu acompanhamento deve ter saído uma porcaria. Mas na última música, "Solanin", eu não errei uma nota sequer."
Meiko, capítulo 26
Fontes: As fontes utilizadas durante a produção desse conteúdo foram as informações e imagens disponibilizadas para divulgação dos produtos mencionados ao longo do texto. Além de sites oficiais e materiais cujos direitos pertencem as editoras responsáveis, como a Editora L&PM e o autor do mangá.